A internet brasileira está prestes a enfrentar uma mudança regulatória significativa que pode impactar diretamente o bolso e a liberdade dos usuários. A recente decisão da Anatel de extinguir a Norma 4, prevista para 2027, tem causado preocupação entre especialistas e provedores de internet. Esta alteração não é apenas uma questão técnica – representa uma potencial transformação na forma como a internet é regulada, acessada e controlada no Brasil.
Criada em 1995, a Norma 4 estabeleceu uma separação clara entre serviços de telecomunicações e serviços de valor adicionado (internet). Esta divisão foi fundamental para o desenvolvimento de um mercado diversificado de provedores de acesso e contribuiu para a pluralidade da internet brasileira. Agora, com sua extinção anunciada, surgem questões sobre preços, liberdade de acesso e governança da rede.
Vamos entender o que está em jogo nesta mudança e como ela pode afetar sua conexão, seu bolso e sua liberdade digital nos próximos anos.
A Norma 4 da Anatel, estabelecida em 31 de maio de 1995, criou uma distinção fundamental entre o serviço de telecomunicações (infraestrutura de comunicação) e o Serviço de Valor Adicionado (SVA), que caracteriza o acesso à internet. Na época, isso fazia sentido para o contexto de internet discada, onde você utilizava a linha telefônica para se conectar através de provedores como o IG.
Esta separação regulatória teve consequências importantes:
Com o tempo, o argumento da Anatel é que esta distinção se tornou obsoleta, já que as próprias empresas de telefonia passaram a oferecer acesso à internet, e a internet discada praticamente desapareceu. No entanto, como veremos, há mais nesta história do que uma simples “modernização regulatória”.
A consequência mais imediata e perceptível para o consumidor será o provável aumento no preço dos serviços de internet. Atualmente, os provedores de internet pagam ISS (Imposto Sobre Serviços), que tem alíquota média de 5%. Com a extinção da Norma 4, estes serviços passarão a ser classificados como telecomunicações, sujeitos ao ICMS, cuja alíquota pode chegar a 25% em alguns estados.
Este aumento de carga tributária será inevitavelmente repassado aos consumidores. A Anatel apresenta esta mudança como uma “simplificação da regulamentação”, mas na prática representa um aumento significativo na tributação dos serviços de internet.
Impacto estimado: Um serviço de internet que hoje custa R$100 poderia passar a custar entre R$120 e R$125 apenas pelo efeito da mudança tributária. Pequenos provedores, que geralmente oferecem serviços mais baratos, serão particularmente afetados por esta alteração.
Para além da questão econômica, há uma preocupação ainda mais grave: a centralização do controle da internet brasileira nas mãos da Anatel. Atualmente, a governança da internet no Brasil segue um modelo descentralizado e pluralista, operado por entidades da sociedade civil como o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
A extinção da Norma 4 abre caminho para que a Anatel assuma maior controle sobre:
A agência já tem histórico de intervenções controversas, como o bloqueio de IPs e interferências em firewalls de provedores para implementar decisões judiciais de bloqueio. Esta centralização pode facilitar a implementação de medidas de controle e censura, criando o que alguns críticos já chamam de “Grande Firewall Brasileiro” – uma referência ao sistema de censura e controle da internet chinesa.
Um dos aspectos mais preocupantes é a possível exigência de licenciamento pela Anatel para todos os provedores de internet. Atualmente, graças à Norma 4, pequenas empresas podem operar como provedores sem passar pelo complexo e caro processo de concessão que as operadoras de telefonia enfrentam.
Com a mudança, surge o temor de que pequenos provedores – geralmente os que oferecem melhores serviços a preços mais acessíveis em muitas regiões – possam ser forçados a obter licenças da Anatel ou mesmo desaparecer, reduzindo a competição no mercado.
Há um paradoxo fundamental na argumentação da Anatel. A agência alega que a Norma 4 se tornou obsoleta porque o modelo de internet discada não existe mais. No entanto, o que realmente se tornou obsoleto foi o serviço de telefonia, não a distinção entre telecomunicações e internet.
Hoje, a maioria das pessoas se comunica por aplicativos como WhatsApp, usando a internet como plataforma. As linhas telefônicas tradicionais têm utilidade cada vez menor, sendo frequentemente alvo de golpes e telemarketing indesejado. A evolução tecnológica separou ainda mais estes serviços, não os aproximou.
A lógica correta seria manter a internet como serviço diferenciado e, possivelmente, rever a regulamentação da telefonia tradicional, que se aproxima da obsolescência. Em vez disso, a Anatel opta por enquadrar a tecnologia do futuro (internet) nas regras da tecnologia do passado (telefonia).
A extinção da Norma 4 não acontecerá imediatamente – está prevista para 2027. Isso significa que há tempo para debate público e possíveis revisões na decisão. Entidades como associações de provedores, organizações de defesa do consumidor e o próprio CGI.br já manifestaram preocupação com a mudança.
O modelo brasileiro de governança da internet, baseado na participação multissetorial e na descentralização, é reconhecido internacionalmente como bem-sucedido. Abandoná-lo em favor de um modelo centralizado na Anatel representa um retrocesso que pode comprometer não apenas a acessibilidade econômica, mas também a liberdade e a neutralidade da rede.
Para os usuários, é importante acompanhar este debate e compreender suas implicações. A internet que conhecemos hoje, com sua diversidade de provedores e relativa liberdade, pode mudar significativamente nos próximos anos dependendo de como esta transição regulatória for conduzida.
Diante deste cenário de mudanças, é fundamental que os usuários e pequenos provedores se mantenham informados e participem ativamente das discussões sobre o futuro da internet no Brasil.
Se você valoriza uma internet acessível, livre e diversa, considere:
Lembre-se: a internet foi criada como uma rede descentralizada e sua força está justamente nesta característica. Preservar este princípio é essencial para manter a internet como conhecemos hoje.
A batalha pela governança da internet brasileira está apenas começando. A extinção da Norma 4, prevista para 2027, representa um ponto de inflexão que pode redefinir como acessamos, usamos e pagamos pela internet no Brasil.
A internet nasceu como um espaço de inovação, descentralização e liberdade. Seu desenvolvimento no Brasil seguiu princípios semelhantes, com um modelo de governança que valoriza a participação multissetorial e mantém separação clara entre a infraestrutura de telecomunicações e os serviços de valor adicionado.
Transformar a internet em mais um serviço de telecomunicações regulado pela Anatel é um retrocesso que ignora a natureza disruptiva e transformadora da rede mundial. Mais do que nunca, é hora de defender uma internet acessível, livre e plural.
Fique atento aos desdobramentos desta questão. Participe dos debates públicos, questione as autoridades e apoie iniciativas que defendam a liberdade na internet. O futuro digital do Brasil está em jogo, e cada voz importa nesta discussão.
Se você valoriza sua liberdade digital e o acesso a uma internet diversa e acessível, não deixe esta discussão apenas para especialistas e reguladores. A internet é de todos nós, e todos temos um papel na definição de seu futuro.
Este artigo foi baseado no vídeo abaixo. Se preferir, você pode assistir ao conteúdo original:
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