A inteligência artificial está transformando radicalmente o mundo corporativo, mas não da maneira que muitos imaginam. Enquanto o debate público frequentemente se concentra no medo da substituição de empregos, a realidade é muito mais complexa e potencialmente revolucionária. A verdadeira mudança não está apenas nas ferramentas que usamos, mas em como essas tecnologias estão redefinindo completamente o conceito de trabalho, funções organizacionais e liderança.
Em uma análise detalhada baseada nas ideias visionárias de Ian Craft, fundador e futurista-chefe da Signal and Cipher, exploramos como as empresas estão enfrentando essa transformação e por que a maior ameaça não é a própria IA, mas sim as mentalidades ultrapassadas e a resistência à mudança de paradigma.
Uma das observações mais impactantes de Ian Craft é que “liderança deficiente, aderência a sistemas antigos e mentalidades tecnológicas ultrapassadas representam um risco maior que a IA para as organizações“. Esta afirmação desafia a narrativa comum que coloca a tecnologia como a principal ameaça.
Durante períodos de transformação, é natural buscarmos algo para culpar. Para muitos profissionais, a IA tornou-se o alvo perfeito – afinal, é fácil apontá-la como uma ameaça direta aos empregos. No entanto, o verdadeiro desafio está em como as empresas respondem a essa mudança tecnológica.
Quando líderes continuam pensando apenas em eficiência e redução de custos dentro dos sistemas atuais, estão aplicando paradigmas ultrapassados a novas realidades. Como explica Craft: “Quando pensamos no futuro através da lente do passado, aplicamos métricas antigas, formas antigas de pensar e processos ultrapassados a novas tecnologias, novas formas de trabalhar e novos desafios“.
A eficiência tornou-se uma palavra de ordem no mundo corporativo moderno, especialmente com a chegada da IA. Contudo, focar exclusivamente na eficiência pode ser extremamente limitante e até prejudicial a longo prazo.
Craft reconhece que as organizações têm uma obrigação com seus stakeholders e acionistas de buscar eficiência. O problema surge quando essa busca acontece “com o mesmo fervor que tivemos nas últimas décadas desde o início da revolução digital”, algo que ele considera “absolutamente e incrivelmente míope”.
Por quê? Porque a IA não está apenas tornando os processos existentes mais eficientes – ela está redefinindo fundamentalmente o que são trabalhos e tarefas. Em suas palavras: “Estamos reengenhando ou mudando completamente a unidade atômica do trabalho“.
Tradicionalmente, as organizações são estruturadas com base em pessoas definidas por cargos específicos e bem delimitados. Um organograma permite entender rapidamente quem faz o quê, onde e como. A IA, no entanto, está pressionando essas fronteiras.
Com as ferramentas de IA, habilidades que antes estavam fora do escopo de determinada função tornam-se acessíveis. Um redator de conteúdo agora pode criar designs básicos, um contador pode realizar análises de dados complexas, um gerente de marketing pode gerar código para landing pages.
O resultado é uma tensão crescente: profissionais têm acesso a novas capacidades, mas as estruturas organizacionais não evoluíram para acomodar essa fluidez. Como observa Craft: “Temos esta nova tecnologia que permite todo tipo de novos comportamentos dentro da organização, mas a organização não tem ideia de como reunir esses comportamentos, estruturas e processos“. As estruturas rígidas tradicionais simplesmente não conseguem aproveitar ao máximo o que a tecnologia poderia desbloquear.
Diante desse cenário desafiador, como os líderes podem começar a repensar suas abordagens? Craft oferece diretrizes valiosas para este momento de transição.
O primeiro conselho é claro: não se concentre apenas em fazer mais com menos. Embora a eficiência seja importante, tratá-la como o objetivo principal para a implementação de IA é “uma corrida para o fundo do poço”. Todos os concorrentes eventualmente obterão esses benefícios de eficiência, transformando isso em uma commodity.
Focar apenas em eficiência pode trazer impactos financeiros positivos a curto prazo – como visto nos balanços de empresas como Meta que reduziram pessoal e aumentaram produtividade. Porém, essa visão trimestral típica do modelo empresarial americano perde de vista transformações mais profundas e sustentáveis.
Para Craft, um elemento crítico é o aprendizado experiencial. Entender a IA apenas teoricamente é insuficiente: “Isso não é apenas um novo digital… estamos literalmente trabalhando com um software que replica e imita processos cognitivos – um paradigma completamente diferente“.
Os líderes precisam imergir nesse espaço, não apenas ler artigos ou fazer experiências superficiais com ChatGPT. É necessário dedicar tempo significativo – “pelo menos dezenas de horas” com orientação adequada – para entender como a IA afetará equipes, negócios e a proposição de valor da empresa.
O modelo tradicional de consultoria com relatórios extensos, seminários e depois implementação está ultrapassado. O aprendizado não deve ser separado da execução. As ferramentas atuais permitem aprender e fazer simultaneamente, enquanto se constrói a infraestrutura essencial e a estratégia.
Programas eficazes de transformação por IA estão condensando o que costumava levar meses em sessões intensivas de meio dia ou um dia inteiro. O resultado não é apenas educação, mas alinhamento real entre líderes – algo que vai além da concordância superficial sobre a importância da IA.
Quando falamos sobre “ferramentas de IA”, muitos pensam apenas em ChatGPT, Claude ou Copilot. No entanto, as organizações mais bem-sucedidas estão integrando essas capacidades na infraestrutura básica de toda a empresa.
Craft adverte que simplesmente fornecer acesso a chatbots é apenas o começo – é como “colocar as meias antes de calçar os sapatos para sair de casa”. As empresas que lideram nessa transformação estão começando com casos de uso compreensíveis e integrando-os à infraestrutura da organização.
Um desafio comum é que muitas organizações investem em licenças de ferramentas como ChatGPT, observam entusiasmo inicial, seguido por queda acentuada no uso. Por quê? Porque fornecem uma nova ferramenta com treinamento mínimo, sem contexto adequado, para funcionários que já estão sobrecarregados e com recursos limitados.
O segredo está em demonstrar claramente como a tecnologia se aplica ao trabalho cotidiano, por que é relevante e como mudará a vida do funcionário – não apenas da organização. A implementação de IA difere fundamentalmente de transformações tecnológicas anteriores:
“Não é apenas uma questão de TI. É uma questão de RH. É uma questão de estratégia. É uma questão financeira. E se você não tiver seu CEO, CFO, CRO todos alinhados sobre como isso está sendo distribuído, você não vai encontrar uma maneira eficaz de distribuir a tecnologia, o conhecimento e a aplicação em toda a sua organização.”
Uma das afirmações mais provocativas de Craft é que “não perderemos empregos, perderemos descrições de cargos”. Embora reconheça que alguns empregos serão perdidos, ele desafia a imagem catastrófica de desemprego permanente e irrelevância profissional.
O sistema educacional e profissional tradicional nos ensinou a seguir um caminho linear: estudar, conseguir um emprego, desenvolver expertise dentro desse emprego para torná-lo defensável, ser promovido com base nessa expertise e eventualmente gerenciar as funções nas quais você é especialista.
A IA está rompendo esse modelo vertical ao abstrair anos ou décadas de expertise. Ela permite que profissionais se tornem proficientes em habilidades adjacentes às suas, ou mesmo em áreas completamente novas. Como Craft enfatiza, isso não significa expertise de elite, mas em muitos casos organizacionais, “bom o suficiente é bom o suficiente”.
Estamos migrando de relacionamentos baseados em cargos para relacionamentos baseados em habilidades e tarefas. Craft resume: “Empregos estão mortos. Longa vida ao trabalho“. O foco não deve estar nos empregos, mas no trabalho que precisa ser feito – nas tarefas, funções e habilidades que precisam ser reunidas para o futuro do trabalho.
Tanto profissionais em início de carreira quanto gerentes intermediários enfrentam desafios significativos. Para iniciantes, muitas de suas tarefas tradicionais podem ser facilmente substituídas pela IA. O “contrato não-verbal” de que recém-formados continuariam seu treinamento como uma vocação no local de trabalho, com mentoria substancial, está em risco quando as empresas podem simplesmente consultar o ChatGPT.
Simultaneamente, o gerenciamento intermediário também está sendo fortemente afetado. Funções focadas em criar alinhamento, verificar equipes e garantir produtividade – “as coisas de ser um chefe” – estão diretamente na linha de fogo da IA. Isso está colapsando a organização, tornando mais tênue a linha entre profissionais juniores e liderança.
O lado positivo é que isso abre espaço para que as pessoas assumam papéis genuínos de liderança – não apenas de gerenciamento. A necessidade de verdadeiros líderes, em vez de meros chefes, nunca foi tão grande.
As transformações que estamos testemunhando não são apenas tecnológicas, mas fundamentalmente culturais e estruturais. Os líderes precisam reconhecer que estamos vivendo uma mudança de paradigma que exige novas formas de pensar, organizar e liderar.
As empresas que prosperarão neste novo cenário serão aquelas que olharem além da eficiência imediata e abraçarem as possibilidades transformadoras da IA – redefinindo funções, reimaginando estruturas organizacionais e capacitando seus colaboradores a desenvolverem novas habilidades e modos de trabalho.
Não se trata apenas de adotar novas ferramentas, mas de repensar completamente como o trabalho é concebido, distribuído e valorizado. É um convite para questionar nossas suposições mais básicas sobre carreiras, especialização e hierarquias organizacionais.
Para navegar com sucesso nesta transição, precisamos de líderes corajosos dispostos a experimentar, aprender e adaptar – não apenas implementando tecnologia, mas reinventando o próprio conceito de trabalho para a era da inteligência artificial.
Este artigo foi baseado no vídeo abaixo. Se preferir, você pode assistir ao conteúdo original:
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