A área da saúde está passando por uma profunda transformação com a chegada da Inteligência Artificial. Diferente do que muitos pensam, essa tecnologia não veio para substituir médicos, mas para potencializar suas capacidades humanas. Em um cenário onde profissionais da saúde passam até 80% do tempo preenchendo prontuários em vez de observar seus pacientes, os algoritmos surgem como aliados fundamentais para devolver à medicina seu propósito mais nobre: o cuidado centrado no ser humano.
Neste artigo, vamos explorar como a Inteligência Artificial e o Machine Learning estão revolucionando a forma como diagnosticamos doenças, prevemos riscos e tomamos decisões na área da saúde, a partir das experiências do Professor Alexandre Chiavegatto, economista e especialista em IA aplicada à saúde.
Entendendo a Inteligência Artificial e Machine Learning na Prática
Com a chegada do ChatGPT, a Inteligência Artificial deixou de ser um assunto de ficção científica para entrar nas conversas do dia a dia. Mas afinal, o que realmente significa quando falamos em IA na medicina?
De forma simplificada, a Inteligência Artificial consiste em máquinas tomando decisões que reconhecemos como inteligentes. Existem duas abordagens principais para isso:
- Inteligência Artificial clássica: quando programamos diretamente a máquina, inserindo códigos e regras específicas (ex: se o paciente tem estas características, então o diagnóstico é X).
- Machine Learning: quando a máquina aprende as regras por meio dos dados. Em vez de inserirmos manualmente as regras, alimentamos o algoritmo com milhares ou milhões de exemplos para que ele aprenda os padrões.
O Machine Learning se tornou dominante porque permite que o computador aprenda regras muito mais complexas do que aquelas que conseguiríamos programar manualmente. Como explica Alexandre Chiavegatto: “Decisões inteligentes são complexas. Se fossem simples, não seriam inteligentes.”
“O algoritmo consegue aprender nuances e detalhes que nós humanos não conseguimos explicar facilmente. Ele não esquece, consegue entender interações complexas entre fatores diferentes e aprende regras muito mais sofisticadas do que aquelas que conseguiríamos transmitir.”
Aplicações Práticas da IA na Saúde: Salvando Vidas Desde o Nascimento
Um exemplo concreto da aplicação de IA na saúde vem de um estudo realizado em São Paulo, que utilizou dados de todos os nascimentos na cidade entre 2012 e 2018. O objetivo era desenvolver um algoritmo capaz de identificar quais bebês tinham maior risco de morrer no primeiro mês de vida.
O processo funcionou assim:
- Utilizaram dados da Declaração de Nascido Vivo, que contém diversas informações sobre os recém-nascidos
- Cruzaram essas informações com dados de quais bebês faleceram no primeiro mês
- Treinaram algoritmos com esses milhões de dados de 2012 a 2017
- Testaram o algoritmo com dados de 2018, sem informar o desfecho
- O algoritmo conseguiu predizer com quase perfeição quais bebês tinham alto risco de óbito
Essa informação é extremamente valiosa para o sistema de saúde. Quando a coleta de dados for totalmente digital, assim que uma Declaração de Nascido Vivo for preenchida, o sistema poderá imediatamente alertar a equipe sobre bebês com alto risco, permitindo intervenções precoces que podem salvar vidas.
É importante ressaltar que o algoritmo não toma decisões sozinho – ele fornece um score de risco para orientar a equipe médica. A decisão final sempre será tomada pelos profissionais de saúde, mas com um subsídio muito mais robusto.
O Paradoxo da IA na Medicina: Tecnologia que Humaniza
Um dos maiores equívocos sobre a Inteligência Artificial na medicina é pensar que ela tornará médicos em “robozinhos”. Na verdade, o efeito será o oposto, como bem explica o livro “Deep Medicine” de Eric Topol:
“As tarefas rotineiras e repetitivas ficarão com os algoritmos, enquanto os médicos poderão dedicar mais tempo àquilo que só os humanos fazem bem: ouvir, tocar, sentir e se conectar com os pacientes.”
Hoje, médicos em alguns serviços dos Estados Unidos passam até 80% do tempo imputando dados em prontuários e apenas 20% interagindo diretamente com os pacientes. Esta situação frustra tanto médicos quanto pacientes, e está prestes a mudar drasticamente.
Algoritmos capazes de transcrever e categorizar automaticamente a conversação médico-paciente já estão sendo implementados. Com essa tecnologia, o médico poderá simplesmente conversar com seu paciente, olhando nos olhos, enquanto o sistema preenche o prontuário eletrônico e até mesmo alerta sobre pontos que poderiam ser esquecidos.
O Novo Papel do Profissional de Saúde na Era da IA
Com todas essas mudanças, como fica o papel do profissional de saúde? Segundo Alexandre, é fundamental que médicos e outros profissionais de saúde entendam e abracem essas tecnologias:
“A Inteligência Artificial não vai substituir quase nenhum emprego, mas as pessoas desse emprego que souberem usar Inteligência Artificial vão substituir aquelas que se recusarem a usá-la.”
É como aconteceu com o Waze: hoje, quase ninguém se recusa a usá-lo porque funciona e otimiza as decisões de rota. Motoristas de Uber que insistem em não usar aplicativos de navegação tendem a receber avaliações mais baixas e, eventualmente, saem do mercado.
Na medicina, os médicos não precisarão se tornar programadores, mas precisarão saber:
- Como funciona o processo de desenvolvimento de algoritmos
- Quais tipos de dados são necessários
- Quais são as limitações e pontos fortes da tecnologia
- Como trabalhar com equipes multidisciplinares
A Equipe do Futuro: Profissionais de Saúde e Cientistas de Dados
Uma perspectiva interessante é que, em um futuro próximo, os “ajudantes” dos médicos serão as equipes de ciência de dados. Esses profissionais trabalharão em conjunto para desenvolver algoritmos específicos que resolvam problemas clínicos identificados pelos médicos.
Para que essa colaboração funcione, é essencial que haja comunicação efetiva entre os profissionais de saúde e os especialistas em tecnologia. Ambos precisam compreender minimamente a linguagem um do outro, criando um “meio-termo” onde possam colaborar efetivamente.
O caminho não é formar um “superprofissional” que domine completamente todas as áreas, mas criar equipes multidisciplinares onde cada um contribui com sua expertise específica, mantendo sempre um canal de comunicação claro.
ChatGPT e Outras Tecnologias: Presente e Futuro na Saúde
Com a popularização do ChatGPT, muitas pessoas começaram a se interessar mais pelas possibilidades da IA. É importante entender, porém, que o ChatGPT é apenas uma das muitas estratégias possíveis de Inteligência Artificial.
O algoritmo por trás do ChatGPT (chamado Transformer) existe desde 2017. A grande inovação foi criar uma interface conversacional amigável, que consegue entender e responder em linguagem natural, mantendo o contexto da conversa.
Esta é apenas a versão 1.0 dessa tecnologia. Como comparou Alexandre: “É como falar que o 14 Bis seria o avião para o resto da vida.” À medida que mais pessoas interagem com a tecnologia e mais profissionais entram na área, os sistemas serão aprimorados e expandidos para novas aplicações.
O Futuro da Medicina com Inteligência Artificial
O futuro da medicina com IA não é de substituição, mas de amplificação das capacidades humanas. Os algoritmos assumirão tarefas repetitivas e auxiliarão em decisões complexas, enquanto os médicos poderão se concentrar no que realmente importa: a conexão humana e o cuidado personalizado.
Alguns cenários que já estão se tornando realidade incluem:
- Prevenção personalizada: algoritmos que identificam pacientes de alto risco para determinadas condições antes mesmo dos primeiros sintomas
- Diagnóstico assistido: sistemas que auxiliam na interpretação de exames de imagem com precisão igual ou superior à de especialistas
- Documentação automatizada: prontuários que se preenchem automaticamente durante a consulta, liberando o médico para focar no paciente
- Acompanhamento remoto: monitoramento contínuo de pacientes crônicos com alertas automáticos quando intervenções são necessárias
Prepare-se para um Mundo Transformado pela IA na Saúde
A integração da Inteligência Artificial na medicina não é mais uma questão de “se”, mas de “quando” e “como”. Os profissionais e instituições que abraçarem essas tecnologias de forma crítica e responsável estarão na vanguarda de uma medicina mais eficiente, precisa e, paradoxalmente, mais humana.
Se você é um profissional de saúde, comece hoje mesmo a se familiarizar com conceitos básicos de IA e busque oportunidades de colaboração com especialistas em tecnologia. Se você é um paciente, não tema a tecnologia – ela está sendo desenvolvida para melhorar sua experiência e seus resultados de saúde.
O futuro da medicina será construído por equipes multidisciplinares que combinam o melhor da tecnologia com o que há de mais valioso na experiência humana: empatia, intuição e conexão genuína. Prepare-se para fazer parte dessa transformação!
Perguntas Frequentes
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