Skip links

Inteligência Artificial na Medicina: Mitos, Realidades e o Futuro da Radiologia

Quando falamos sobre tecnologia na medicina, a Inteligência Artificial (IA) costuma despertar tanto fascínio quanto receio. Será que médicos serão substituídos por algoritmos? Em que ponto estamos realmente nessa revolução tecnológica? E, mais importante, como os profissionais de saúde podem se adaptar a este novo cenário?

Neste artigo, vamos explorar essas questões através da experiência do Dr. Felipe Kitamura, radiologista, pesquisador e diretor de ensino, pesquisa e inovação na Dasa, além de professor na área de radiologia na Unifesp. Com sua trajetória única entre medicina e tecnologia, ele nos oferece insights valiosos sobre a evolução da IA na medicina, especialmente na radiologia.

Uma Trajetória Entre Exatas e Medicina

Antes mesmo de ingressar na faculdade de medicina, o Dr. Felipe Kitamura já nutria um grande interesse pela área de exatas. “Eu sempre gostei muito de exatas”, conta ele, revelando que chegou a prestar vestibular para engenharia de controle de automação (mecatrônica), física, biologia e biotecnologia, além de medicina.

A decisão pela medicina veio por circunstâncias pessoais – seu pai estava doente na época, e a opção de ficar em sua cidade natal, Juiz de Fora, acabou sendo determinante. O que começou como uma escolha circunstancial acabou se tornando uma paixão quando ele descobriu que poderia unir seus interesses.

“Durante a faculdade de medicina, eu fiz vários projetos interdisciplinares”, relata Felipe. “O fato de eu sempre ter tido esse gosto por eletrônica digital, por programação, acabou propiciando com que eu participasse de projetos super interessantes, alguns deles viraram patentes inclusive.”

Escolhendo uma Especialidade: A Jornada até a Radiologia

Como muitos médicos em formação, o Dr. Kitamura explorou várias possibilidades antes de encontrar sua especialidade ideal. “Na faculdade eu cheguei a pensar em fazer cardiologia, endocrinologia, anestesiologia… Participei de várias ligas durante a faculdade e eu estava indo muito para esse lado mais clínico”, lembra.

No entanto, ao final da faculdade, optou inicialmente pela oftalmologia, chegando a passar na residência do Hospital das Clínicas em São Paulo. Após quatro meses, percebeu que não era o caminho que desejava seguir. “Eu achava muito legal oftalmologia, estudar, o exame físico, aqueles aparelhos… mas eu não me enxerguei muito no consultório como oftalmologista”, explica.

Foi apenas depois de um período trabalhando como médico de família que Felipe encontrou na radiologia sua verdadeira vocação. A inspiração veio, curiosamente, de um colega de república que fazia residência na área. “Eu ficava vendo a vida dele, as coisas que ele estava estudando, e eu falei: ‘cara, isso daqui que é legal para caramba’.”

O Encanto pela Radiologia

O que mais fascinou Felipe na radiologia foi a combinação de diagnóstico por imagem com tecnologia. “Até hoje eu tenho ainda uma sensação de que a gente toma por dado o fato de conseguir ver dentro do corpo das pessoas sem precisar cortar e abrir para olhar dentro. Para mim, isso é um negócio muito louco e continua me impressionando”, confessa.

Além disso, a radiologia sempre esteve na vanguarda do desenvolvimento tecnológico na medicina, desde os primeiros raios-X até as modernas técnicas de ressonância magnética e, agora, a aplicação de inteligência artificial. Para alguém que sempre gostou de programação, como Felipe, era o campo perfeito para unir suas paixões.

A Chegada da Inteligência Artificial na Radiologia

Quando o Dr. Kitamura entrou na residência de radiologia em 2013, terminando em 2016, quase não se falava em Inteligência Artificial aplicada à área. No entanto, a revolução estava para começar.

“Foi só em 2012 que um pesquisador no mundo conseguiu usar as placas de vídeo do computador, as GPUs, para treinar um modelo em grande escala com uma quantidade grande de imagens, e deu super certo”, explica. “De 2012 para cá, a gente começou essa corrida pela inteligência artificial para imagens, que entrou no Uber, Instagram, Facebook, e todas as empresas que a gente conhece contratando cientistas de dados a altos preços.”

Na área médica, esse movimento chegou com mais força por volta de 2015-2016, coincidindo com o final da residência de Felipe. E trouxe consigo um temor muito comum: os radiologistas seriam substituídos por máquinas?

O Medo da Substituição

“Quando caiu na consciência dos radiologistas, gerou um medo”, admite Felipe. “Se agora o computador consegue ver o que tem numa imagem, ele vai dar os diagnósticos, a gente não precisa mais de médico para fazer isso. E isso gerou um medo em mim. Eu confesso que, depois que deu errado o mestrado, deu errado a residência que eu desisti, aí quando eu me encontrei, pensei: ‘Pô, agora achei um negócio que eu gosto para caramba de fazer, aí vou perder um emprego para esse negócio?'”

Esse temor foi, ironicamente, um dos motivadores para que Felipe estudasse mais sobre IA. “Eu quis testar eu mesmo. Como eu gostava de programar, eu falei: ‘Quero aprender a criar esses algoritmos e ver eu mesmo se isso funciona igual estão falando que funciona’.”

A Realidade da IA na Medicina: Mitos vs. Fatos

Após anos de experiência e estudos na área, Felipe descobriu que tanto as expectativas negativas quanto as positivas sobre IA na radiologia não se concretizaram na intensidade esperada.

“O buraco é muito mais embaixo”, explica. “Primeiro, é super difícil criar um algoritmo que funcione bem e que funciona em todos os lugares. Segundo, não basta ter o algoritmo que funciona; um algoritmo não é um produto. Tem as questões culturais, as questões de regulamentação, uma série de fatores.”

Além disso, a maioria dos modelos de IA é treinada para tarefas específicas: “Você tem que criar um modelo para cada coisa: um algoritmo para pneumonia no raio-X, outro para pneumonia na tomografia, outro para AVC na tomografia de crânio… é um trabalho enorme.”

O Papel da IA como Ferramenta, Não Substituto

O Dr. Kitamura cita o professor Andrew Ng, de Stanford, que afirma: “Tem profissões que você faz uma única tarefa, tem profissões que você faz muitas tarefas. A IA pode substituir algumas tarefas. Se a sua profissão é uma tarefa única e a IA substitui essa tarefa completamente, tudo bem, você está com emprego sob risco. Mas se a sua profissão tem múltiplas tarefas, e geralmente médico é assim, você está mais seguro.”

Na realidade, a IA tem se mostrado mais uma ferramenta complementar que ajuda os médicos a trabalharem melhor, mais rápido e com mais precisão, não um substituto para o profissional humano.

A Ironia da Automação

Um resultado inesperado e até irônico da implementação de IA foi o aumento da carga de trabalho para radiologistas: “Hoje a gente tem algoritmos que permitem fazer exames de ressonância mais rápidos, e aí com isso eu consigo fazer mais exames com as mesmas máquinas. Hoje tem vários serviços que os radiologistas estão com muito mais exames para laudar do que tinham antes.”

Ao contrário de eliminar postos de trabalho, a tecnologia frequentemente aumenta a demanda por profissionais qualificados que possam interpretá-la e aplicá-la corretamente.

O Futuro da Medicina com Inteligência Artificial

Ao refletir sobre o que esperar para o futuro, Felipe acredita que outras especialidades médicas estão começando a passar pela mesma curva de expectativa que a radiologia já percorreu: desde o hype inicial, passando pelo medo, desilusão e finalmente chegando ao “platô de produtividade”.

“Agora com o ChatGPT, a IA está entrando em várias outras especialidades médicas, e eu fico com uma sensação de que vários colegas especialistas em outras áreas estão começando a passar por essa curva hype igual a gente passou na radiologia”, observa.

Para os profissionais médicos que desejam se preparar para esse futuro, o conselho é claro: não temer a tecnologia, mas aprender a trabalhar com ela. Entender como funcionam as ferramentas de IA, suas limitações e potencialidades, pode ser um diferencial competitivo importante.

Formação Médica para o Futuro

Felipe defende que a educação médica precisa se adaptar a esta nova realidade: “A gente tem que ensinar o médico a trabalhar com IA, não necessariamente a criar IA, mas a trabalhar com IA. Isso significa entender as limitações, saber quando confiar e quando não confiar, saber interpretar o resultado.”

É importante também desenvolver as habilidades que as máquinas não possuem, como empatia, raciocínio clínico complexo, comunicação efetiva com pacientes e tomada de decisões éticas em situações ambíguas.

Dê o Próximo Passo com Este Conhecimento

A jornada da integração entre tecnologia e medicina está apenas começando. Para profissionais da saúde, este é o momento de abraçar a mudança e encontrar formas de incorporar essas novas ferramentas à prática diária, sempre colocando o paciente no centro do cuidado.

Como bem ilustra a trajetória do Dr. Felipe Kitamura, muitas vezes os caminhos que parecem desvios – como seu interesse por programação e tecnologia – acabam se revelando diferenciais competitivos importantes em uma carreira médica. A interdisciplinaridade não é apenas bem-vinda, mas necessária para o futuro da medicina.

Quer você seja um estudante de medicina, um médico em início de carreira ou um profissional experiente, é tempo de olhar para a inteligência artificial não como ameaça, mas como aliada. Busque capacitação, esteja aberto a novas ferramentas e, principalmente, mantenha o foco no que realmente importa: oferecer o melhor cuidado possível aos pacientes.

Deixe nos comentários: você já utiliza alguma ferramenta de inteligência artificial na sua prática médica? Quais são seus maiores receios ou expectativas sobre o tema?

Perguntas Frequentes

O que é Inteligência Artificial na medicina e como ela funciona?
A Inteligência Artificial (IA) na medicina refere-se ao uso de algoritmos e software para analisar, interpretar e auxiliar no diagnóstico médico através do processamento de grandes volumes de dados. No contexto médico, a IA mais comum utiliza redes neurais artificiais, que são modelos computacionais inspirados no funcionamento básico dos neurônios humanos.

Uma rede neural funciona recebendo dados de entrada (como uma imagem médica), processando esses dados através de múltiplas camadas de “neurônios” artificiais, cada um aplicando diferentes pesos e transformações aos dados, e finalmente gerando uma saída (como a probabilidade de um diagnóstico específico). O processo de “aprendizado” ocorre quando o sistema é treinado com milhares de exemplos onde o resultado correto é conhecido, permitindo que o algoritmo ajuste seus parâmetros para melhorar a precisão.

Na prática médica, isso pode significar um sistema que analisa imagens de raio-X para detectar pneumonia, interpreta ressonâncias magnéticas para identificar tumores, ou analisa dados de pacientes para prever riscos de complicações.

Os médicos radiologistas serão substituídos pela Inteligência Artificial?
Não, é extremamente improvável que radiologistas sejam completamente substituídos pela Inteligência Artificial. Como explicado pelo Dr. Felipe Kitamura, existem diversos fatores que tornam essa substituição completa praticamente impossível no futuro previsível.

Primeiro, a radiologia envolve múltiplas tarefas complexas, não apenas a interpretação de imagens. Os radiologistas consultam com outros médicos, integram informações clínicas com achados de imagem, realizam procedimentos intervencionistas, e tomam decisões que exigem julgamento clínico e ético.

Segundo, os algoritmos atuais são desenvolvidos para tarefas específicas (como detectar pneumonia em raio-X) e não conseguem generalizar para todas as possíveis condições e variações que um radiologista humano identifica. Cada nova aplicação exige treinamento específico e extenso.

Terceiro, questões regulatórias, éticas e de responsabilidade legal ainda precisam ser resolvidas antes que sistemas autônomos possam assumir completamente a responsabilidade diagnóstica.

O cenário mais provável é que a IA se torne uma ferramenta cada vez mais poderosa para auxiliar radiologistas, permitindo-lhes trabalhar de forma mais eficiente e precisa, focando em tarefas de maior valor que exigem expertise humana.

Como os profissionais de saúde podem se preparar para trabalhar com Inteligência Artificial?
Para se preparar para um futuro com maior integração da IA na medicina, os profissionais de saúde podem adotar várias estratégias:

Primeiramente, é importante adquirir conhecimentos básicos sobre IA e suas aplicações na medicina. Isso não significa necessariamente aprender a programar ou criar algoritmos, mas entender os princípios fundamentais, limitações e potencialidades das ferramentas de IA. Cursos introdutórios sobre IA na medicina estão cada vez mais disponíveis em plataformas online e em programas de educação continuada.

Em segundo lugar, desenvolva habilidades complementares que as máquinas não dominam. Isto inclui comunicação empática com pacientes, raciocínio clínico complexo integrando múltiplas variáveis, ética médica e trabalho em equipe interdisciplinar. Estas “habilidades humanas” serão ainda mais valorizadas em um ambiente tecnológico.

Por fim, mantenha-se aberto a mudanças na prática clínica. Experimente novas ferramentas de IA disponíveis para sua especialidade, participe de estudos clínicos que incorporem estas tecnologias e contribua com sua expertise para o desenvolvimento de soluções mais eficazes e centradas no paciente.

Quais são as principais limitações atuais da Inteligência Artificial na medicina?
Apesar do potencial promissor, a IA na medicina enfrenta várias limitações significativas. Uma das principais é a dependência de dados de treinamento. Os algoritmos só aprendem com os exemplos que recebem, o que significa que podem perpetuar vieses presentes nesses dados ou ter desempenho inferior com populações sub-representadas nos conjuntos de treinamento.

Outra limitação importante é a dificuldade de generalização. Um algoritmo treinado em uma população específica ou com equipamentos de um determinado fabricante pode não funcionar bem em contextos diferentes. Isso cria desafios para a implementação global dessas tecnologias e exige adaptações constantes.

A “caixa preta” da IA também representa um problema. Muitos algoritmos complexos funcionam de maneiras que são difíceis de interpretar, mesmo para seus criadores. Isso levanta questões sobre confiabilidade, responsabilidade e aceitação por parte dos médicos, que precisam entender o raciocínio por trás de uma recomendação para aceitá-la.

Finalmente, há desafios regulatórios e de integração aos sistemas existentes. A aprovação de ferramentas de IA para uso clínico é um processo complexo, e a integração dessas tecnologias aos fluxos de trabalho e sistemas de informação hospitalares atuais requer investimentos significativos.

Como a Inteligência Artificial está mudando outras especialidades médicas além da radiologia?
A Inteligência Artificial está expandindo sua influência para diversas especialidades médicas além da radiologia, transformando práticas clínicas de maneiras significativas. Na dermatologia, algoritmos de IA agora podem analisar imagens de lesões cutâneas e ajudar na identificação de melanomas e outras condições com precisão comparável a dermatologistas experientes.

Na oftalmologia, sistemas de IA estão sendo utilizados para detectar retinopatia diabética, glaucoma e degeneração macular relacionada à idade através da análise de imagens do fundo de olho, permitindo triagem em larga escala mesmo em áreas com poucos especialistas.

Na cardiologia, algoritmos analisam eletrocardiogramas para detectar arritmias e outras anomalias cardíacas, enquanto modelos preditivos ajudam a identificar pacientes com maior risco de eventos cardiovasculares. Na patologia, sistemas de IA auxiliam na análise de lâminas histológicas, melhorando a precisão diagnóstica e reduzindo o tempo de análise.

Com o avanço de tecnologias como o ChatGPT e outros modelos de linguagem, especialidades como psiquiatria, neurologia e medicina de família também começam a explorar aplicações para auxílio diagnóstico, documentação médica e até suporte ao atendimento ao paciente, embora estas aplicações ainda estejam em estágios iniciais de desenvolvimento e validação clínica.

Assista ao vídeo original

Este artigo foi baseado no vídeo abaixo. Se preferir, você pode assistir ao conteúdo original: